segunda-feira, 28 de maio de 2012

Amor!

Ficha de leitura do Livro “Trazos de una outra comunicación en América Latina: Políticas comunitarias, teorias y demandas sociales” organizado por Cicilia Peruzzo



UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO

DISCIPLINA METODOLOGIA DE PESQUISA E COMUNICAÇÃO



Matheus Gonçalves de Castro



Ficha de leitura do Livro “Trazos de una outra comunicación en América Latina: Políticas comunitarias, teorias y demandas sociales” organizado por Cicilia Peruzzo.



I.                   Prólogo – Jorge A. González



As ditaduras da América Latina no século XX marcaram profundamente e determinaram até hoje a forma como se organizam as mídias de massa. Foi durante essa fase que instrumentos caseiros de comunicação surgiram como forma de expressão de quem queria exercer seu direito de comunicar. Tal situação de censura e padronização do pensamento dificultou e dificulta até hoje a formação crítica para que exista comunicação comunitária ou alternativa.

            O rádio até hoje não possui resultados democráticos. Os ouvintes não querem músicas latinas cheias de consciência e valores anti-imperialistas, mas músicas da “ideologia dominante” feitas para vender discos. Jorge nos reforça o conceito de hegemonia como resultado do consenso entre classe aliadas e adversárias. Elenca as formas de exploração: econômica, política e simbólica e afirma que podemos deixar de ser subalternos simbolicamente, continuando explorados econômica e politicamente. Por isso o termo “outra comunicação” presente no título e não o termo “comunicação alternativa” que é simbolicamente submisso.

            Jorge cita Gramsci, dizendo que algo é popular quando vai de acordo com seu modo do povo ver o mundo e a vida, sendo o povo o conjunto das classes subalternas e instrumentais da sociedade. Nos lembra que as Tecnologias da Informação e Comunicação são tecnologias do conhecimento e que urge desenvolver e estudar comunidades emergentes, que desenvolveram seu próprio sistema de informação, organização e comunicação e interligar estas com comunidades com as mesmas dificuldades. Conclui o prólogo dizendo que além de desejos morais de mudança são precisos diagnósticos de processos de relações sociais, que é exatamente para que este livro se propõe.



II.                Prefácio – Thomas Tufte e Jair Veja Casanova



Na academia internacional das ciências das mídias e da comunicação nota-se a tendência pelo interesse no potencial participativo das novas tecnologias. Essa publicação pretende conhecer as realidades nacionais da América Latina, as dificuldades e possibilidades de mídias com fins sociais e comunicação comunitária e as interconexões entre mídias, as co-evoluções da diversidade midiática. O livro surge da produção científica de 4-5 anos de encontros da Associação Latino-americana de Investigadores da Comunicação – ALAIC, especialmente do grupo de trabalho “Comunicação Popular, Comunitária e Cidadania” e reúne dezesseis estudos de casos. Traram-se de reflexões, análises e críticas de casos concretos da América Latina e Tanzania (África) e textos que põe em evidencia a complexidade de buscar articulação de mudança social, justiça e igualdade, através dos meios de comunicação.



Parte I – Comunicação popular, comunitária e alternativa no chão, no ar e no ciberespaço: Cidadania comunicacional em construção.



  1. “Rádio Mulher:  A comunicação feminista nas ondas do rádio no nordeste do Brasil” de Ana Veloso e Hainer Farias.



Este trabalho resgata a apropriação tecnológica do rádio por mulheres organizadas de uma região de Pernambuco. Põem em relevo as estratégias usadas na produção colaborativa do programa Rádio Mulher, que tem como diferencial o entendimento de que a Comunicação deve ser realizada pela comunidade, ou seja, conduzido – neste caso – pelas mulheres, com vistas à garantia dos direitos coletivos, ao fortalecimento da sociedade civil da região e à ascensão do movimento feministas ao status de sujeito político na esfera pública midiática.

A Zona da Mata Sul é uma região de Pernambuco caracterizada pela monocultura canavieira como sustentação da vida política e econômica. Os assentamentos significam um expressivo contraponto ao monocultivo de cana (que além de concentração econômica proporciona trabalho mal remunerado aos trabalhadores) por incentivar a agroecologia e o cultivo de sementes (cultura diversificada). Nessa região é comum igrejas evangélicas sublocarem espaços nos rádios nesse território fértil para o fundamentalismo.

A mídia, segundo Ramonet, (2003), implica “responsabilidade social” e consequentemente, seu exercício deve permanecer (...) sob o controle responsável da sociedade. Integrante da Rede de Mulheres no Rádio o Centro de Mulheres do Cabo (CMC) em 1997 entendeu que o Movimento Feminista necessitava usar o rádio para desconstruir o machismo e o patriarcado numa região com quase 60% de mulheres analfabetas em 1995, segundo o IBGE. Entre 1995 e 1997 mulheres de 5 cidades realizaram cinco oficinas com sessenta mulheres, elaborando um plano de comunicação com foco no rádio. Uma fundação americana de cooperação internacional aprovou o projeto e uma parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais possibilitou a veiculação nos sábados das 19 horas até às 19 horas e 30 minutos, na Rádio Cultura de Palmares (AM). Em seguida o horário foi trocado para a manhã, pois o da noite concorria com novelas.

Em 1997-98, três jornalistas contratadas pelo CMC produziam telenovelas radiofônicas e coletavam informações. Tal iniciativa foi importante, pois rompera com a dominação técnica dos homens na região. A partir de 1998 a Rádio Mulher foi veiculada ao vivo com a locução de uma das militantes. Seis jovens qualificadas após um ano de oficina de produção auxiliavam. Em meados de 1999 uma comunicadora comunitária foi convocada para assumir a locução ao ser detectada essa necessidade (pelas jornalistas). Tal alteração causou descontentamento de algumas mulheres organizadas, o que resultou no seguinte aprendizado: toda alteração deve ser discutida coletivamente. Atualmente o programa tem uma produtora da Associação de Mulheres de Água Preta e uma produtora/locutora do Centro de Mulheres de Joaquim, ambas contratadas pelo CMC, com recursos da fundação Ford.

Essa iniciativa usou o rádio como aliado na divulgação do feminismo. É uma tentativa de apropriação emancipatória do veículo, o que contraria o curso da acumulação dos espaços da radiodifusão pelos concessionários brasileiros (o que contraria a constituição Federal de 1988). Embora muito mais autônomas e capacitadas, as mulheres da Rádio Mulher ainda são mal remuneradas nos seus serviços (o trabalho no Radio Mulher é voluntário), acumulam tarefas domésticas e trabalham voluntariamente em prol das políticas e movimentos que defendem. O Rádio Mulher é o terceiro lugar na preferência dos ouvintes locais em 2012. É veiculado diariamente de segunda a sexta-feira das onze horas ao meio dia, na rádio Farol FM, que conta com 200 mil ouvintes em 70 municípios, e das oito às nove horas na emissora comunitária calheta FM (desde 2005).

O conselho de programação, composto por dez lideranças de organizações locais de mulheres, se reúne mensalmente e discute conteúdo, linguagem e fontes. A montagem do programa inclui coleta de noticias geradas pelo movimento feminista. O Rádio Mulher é considerado o programa de maior qualidade de suas rádios e possui uma ação educativa; desconstrói a imagem negativa do jornalismo sensacionalista, desmistifica a parte técnica e a apropriação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e fomenta o feminismo.

As mulheres envolvidas elencam lições como consolidação de estratégias de captação de recursos, ampliação do diálogo no interior do Movimento de Mulheres, através do conselho de produção chegou-se ao entendimento de que todas mídia devem desconstruir as desigualdades de gênero, que usar linguagem popular e simples aumenta a audiência e que o programa como um todo emancipa as mulheres nas mais diversas questões.

A construção de autonomia feminina passa pelo exercício do direito à informação. As conselheiras participam igualitariamente e trazem as pautas fazendo com que as mulheres passem de meras coadjuvantes a protagonistas. As dificuldades se constituem em oportunidades de diálogo, amadurecimento político.



  1. “Lá comunicación comunitária: vigência y olvido” de Tito Hernández Hernández e Fernando Moreno Sánchez



Este trabalho teve como propósito conhecer a forma em que se manifestam, no estado de Veracruz, México, os sistemas e meios de comunicação tradicionais que persistem. Luis Ramiro Beltrán (2005) estuda a importância dos sistemas e meios de comuncação próprios de determinados locais e os define como processos folkcomunicacionais. Para ele, se delimita o objeto em três aspectos:

Territorialmente – a zona rural preserva uma das principais características da vida comunitária: a cooperação. Nos centros urbanos a vida em comunidade é menor, portanto menor também serão as impressões de comunicação tradicional.

Metodologicamente – A análise se centra nos sistemas e meios tradicionais usados pelas pessoas da zona agrária.

A prática comunicacional – Investiga-se o tamanho das manifestações de comunicação comunitária frente à importância dada pelo ensino e a pesquisa de comunicação nas instituições de educação superior de vera cruz.



Las vigas: município localizado no centro do estado, a vinte minutos da capital.



Os sinos da igreja servem para chamar as pessoas para as missas, anunciar o falecimento de pessoas importantes e como sinal de alerta. Depois de um incêndio em 1996, quando o padre soou os sinos para convocar a população a apagar o fogo, ficou gravado na memória da população que um chamado não usual dos sinos é uma mensagem de emergência que demanda a participação da comunidade.



El Chico: pertence ao município de Emiliano Zapata e tem população de 2.174 habitantes.



Há mais de 25 anos o padre da região decidiu instalar um auto-falante numa das torres da igreja para transmitir mensagens dos horários das missas, entre outras informações úteis aos fiéis. Em seguida, a população teve autorização para transmitir todo tipo de mensagem. A procura aumentou e o padre decidiu cobrar pelas mensagens e delimitar o horário das mesmas. Tais restrições levaram um cidadão a comprar equipamentos de som e instalá-los no teto de sua casa, dando acesso a quem quisesse (sem custo), tornando-se um verdadeiro meio de comunicação comunitária. Tal atividade informa a comunidade e incentiva a cooperação mútua.



El Mangual: microrregião do município de Medelín, 15 km do Porto de Vera Cruz.



A comunicação e o intercâmbio de informações se registra em 3 espaços: o Mercado principal, a parada de ônibus e a escola. Na entrada do mercado se encontra um painel onde notícias de todos os tipos são veiculadas, assim como na parada de ônibus. Na escola também são encontrados anúncios e cartazes, mas também há interação entra as mães que buscam seus filhos e discutem sobre os assuntos anunciados.



Jaltipan de Modelos – município de 32.689 habitantes.



Um microempresário a mais de quarenta anos comunica todo tipo de mensagem para a população com um triciclo e um megafone. Atualmente ele usa um carro com autofalantes. Na administração atual, o governo municipal utiliza um carro com ato-falante como meio principal de difusão e propaganda. Apesar do grande número de moradores, a sociedade rural não trás sustentabilidade para jornais, rádios e TVs.



Lagunilla – pequeno povoado, 30 minutos de córdoba.



Todas segunda-feiras os homens se reúnem na casa do agente municipal para discutir as principais questões da população. Em seguida, terminada a reunião, começa uma “reunião de amigos” que versa sobre problemáticas e temas da vida cotidiana. A escola primária e jardim de crianças são outros pontos de reuniões e troca de opiniões, principalmente para as mulheres. Um triciclo que vende produtos e divulga anúncios com cartazes. Coexistem com métodos tradicionais, situações de jovens ouvindo música americana e jogando jogos virtuais americanos.



Tetlaxco - localidade do município de Coscomate. Possúi população de 2.500 habitantes.



A comunicação se dá por dois auto-falantes, um localizado no salão de eventos, operado por agente municipal, onde acorre a comunicação institucional do município. O outro fica na casa de telefonia de longa distância, onde são chamados aqueles que recebem telefonemas regularmente, normalmente provindos de familiares nos EUA.

Na igreja, escola e salão de eventos, encontram-se murais onde são expostos anúncios, convocatórias e tarefas de trabalho (com nome e descrição). Nesses mesmos pontos ocorrem também conversações: são pontos de interação. Mensageiros também são usados para complementar os avisos. Eles vão até a casa dos destinatários e falam o recado.



A pouca importância que se presta o ensino e a pesquisa da comunicação comunitária se observa nas áreas de formação e nas linhas de pesquisas que prevalecem. O contraste da riqueza de manifestações de comunicação tradicional com as áreas de formação e linhas de pesquisa permite afirmar que, no México, impera um enforque urbano no ensino e na pesquisa.



  1. “Propaladoras: uma alternativa comunitária em San Pedro de Jujuy (Argentina)” de Marcelo Andrés Brunet.



As rádios por cabos antecederam as “propaladoras”, pois resolviam o problema do grande custo dos receptores na URSS até 1964 e na China até 1980, segundo Raynard Williams (1981) onde eram usadas para comunicação institucional. Krohling Peruzzo (1999) afirma que na América foram conhecidas como “rádios populares de altofalantes”, com a diferença que não trasnmitiam sinal pelo ar e tinham estúdio próprio, eram autônomas. No Brasil são conhecidas como “rádio-poste” ou “rádios do povo”, pois eram o único meio acessível a comunidades pequenas. Tiveram seu apogeu nos anos 80.      

San Pedro de Jujuy se localiza a 60km da capital provincial. Em 1947-48, quando o povoado virou cidade, foram instalados, na prefeitura, localizada em frente à praça central, dois autofalantes. O equipamento de som consistia em um toca-discos com amplificação e um microfone. Em 1952 um cidadão chamado Morcillo consegue autorização pública para instalar uma “propaladora” comercial, denominada “Walber Publicidad”. Em 1956 Cauwlaert compra a empresa e a dirige por vinte anos.

Os conceitos “alternativo”, “comunitário” e popular, embora usados como sinônimos, possuem algumas distinções. Martín Barbero fala de dois paradigmas, o político e o educacional. María Cristina Mata (1993) diz que o comunitário pretende reconstruir laços perdidos na sociedade de massas. As rádios comunitárias seriam dirigidas a grupos geográficos pequenos ou a segmentos minoritários da população. Já o termo popular, se posiciona em prol de uma maioria marginalizada ou excluída do poder.

Se o alternativo é algo de “outra natureza” a comunicação que gerava “Walber” era alternativa, é dizer, de uma natureza local e diferente do discurso da rádio regional tradicional por ar, distante geograficamente e dos interesses comuns dos cidadãos de San Pedro. Sendo assim, do ponto de vista geográfico, a propaladora Walber é comunitária. A natureza técnica mais simples (por cabos) também contribui nesse sentido. O acesso à programação era gratuito e os ouvintes participavam da programação através de concursos de cantores e depositando cartas em urnas dispostas pela cidade.

O trabalho da propaladora era feito por humildes habitantes que viam nele oportunidade de ascender material e socialmente. O próprio Cauwlaert cumpria o papel do mediador, segundo Raquel-Burgas, pois organizava a comunicação e se encarregava de formar os locutores e aprendizes, a partir de sua experiência como funcionário de outra rádio antes de comprar a Walber. O meio de comunicação teve enfrentamentos políticos, inclusive o que levou ao fechamento da rádio, quando em 1976 o capitão que assumiu a intervenção municipal tentou dizer a Cauwelaert o que a propaladora deveria emitir, este então preferiu fechar a empresa.

            Em 1914, o povoado tinha 15mil habitantes. Em 47,23mil possuía leve superioridade da população urbana. Em 1960 22,6 mil pessoas moravam na zona urbana e 15,9 mil na zona rural. Em 1970, 31 mil moravam na zona urbana e 16mil na zona rural. Até 1966 o sinal da rádio provincial era débil e haviam poucos receptores (18mil). A televisão só chegou em 1966, com horário reduzido e cerca de 65 receptores. Portanto não concorria com a propaladora.

A sociedade era predisposta e ativa em eventos massivos destinados à diversão. Assim se confirmou um público integrado por setores populares urbanos frente às propostas que lhes deram participação e protagonismo no âmbito do entretenimento, das artes e da informação, visto a falta de participação e representação nas esferas políticas. A transmissão da propaladora proporcionava escuta compartilhada, os setores populares eram quem participava da produção e conduziam os programas. Tais fatores garantiram o sucesso da Walber.

            Espaços públicos incialmente foram aproveitados para difundir o sinal da propaladora (praça central, por exemplo). Em seguida alguns espaços foram constituídos com este fim. O tempo de transmissão era composto de duas etapas (das 10h às 12h30min e das 17h às 21h), respeitando o horário da siesta. As pessoas se guiavam pelos horários das transmissões. No Horário da manhã e início da tarde, escutava-se andando pela cidade, pois a distância entre as caixas de som era pequena. No final da tarde e início da noite a escuta tinha um caráter coletivo e sedentário. As pessoas se reuniam em esquinas para escutar a Walber Propaganda e interagir coletivamente.

            Walber foi a ideia pela qual os habitantes, mediante sua própria voz, puderam comunicar sua realidade, superando as limitações do sistema tradicional de meios de comunicação imposta à periferia. Além disso, o meio comunitário formou uma quantidade importante de indivíduos capacitados para trabalhar em rádio.



  1. “Projeto Dissoante: Comunicação comunitária pela internet” por Fernando Oliveira Paulino, Jairo Faria Guedes Coelho, Juliana Soares Mendes e Leyberson Lelis Pedrosa.



O início das atividades do Projeto de Extensão Comunicação Comunitária na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília se remete a 2002, quando da efetivação da Rádio Laboratório de Comunicação Comunitária. Estudantes de várias áreas matriculam-se nas disciplinas Comunicação Comunitária 1 e 2, estudando conceitos associados à comunicação para mobilização social e  aplicando-os em atividades de campo. Dentre as atividades estão a realização de um jornal de um movimento social e a divulgação de ações de reciclagem de uma cooperativa.

O projeto Dissonante é um servidor livre e gratuito de rádio web e resultou de um Trabalho de Conclusão de Curso de Pedro Arcanjo e Leyberson Pedrosa, orientados pelo Prof. Fernando Paulino em 2007. O Dissonante já possui 85 contas estabelecidas. O projeto pretende desempenhar dois papéis: fortalecer coletivos de comunicação livre e servir como instrumento pedagógico em oficinas  e transmissão de debates ou eventos. 

A associação que gere a rádio foi fundada em 1998 por iniciativa de movimentos populares, com destaque a grupos em luta pelo direito à terra e partidos políticos. No Profeto Diversidade, estudantes de ensino médio, após participarem de oficinas, seminários e mostras culturais, elaboram e produzem programas transmitidos pela Utopia FM e retransmitidos nas escolas, nos intervalos, pelo sistema de som interno. Desde 2007 a Utopia FM possui uma conta no Dissonante, ampliando as possibilidades de audiência.

Em 2008 estudantes ocuparam a reitoria da UnB em protesto às denúncias de improbidade administrativa. É importante refletir sobre os elementos que apoiaram essa movimentação: a participação dos estudantes nas tomadas de decisões e o papel mobilizador da Comunicação praticada pelos manifestantes.

Além de utilizar um blog e um chat, os estudantes criaram uma Rádio Web intitulada Rádio 5 Mil por Hora, que pôde ser acessada pelo endereço virtual www.dissonante.org. Eles perceberam a capacidade de articulação e mobilização complementar que a Comunicação poderia proporcionar. Aos poucos, começaram a buscar mecanismos para exercer e melhorar a comunicação, entendendo o seu papel de diálogo com outros segmentos e com a própria sociedade.

São muitas as composições utilizadas para compreender quem age em relação às mudanças na micro e macro-estruturas. Foucault (1979) afirma que nada mudará a sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo e ao lado dos aparelhos do Estado a um nível muito mais elementar, cotidiano, não forem modificados.

O Relatório Um Mundo e Muitas Vozes (informe MacBride), é considerado por especialistas e militantes de Comunicação “muito provavelmente o mais completo e instigante trabalho já produzido sobre a problemática da comunicação no mundo contemporâneo” (Ramos, 2000, p.3).  Calcula-se que hoje, no Brasil, cerca de 80% de tudo o que é veiculado na mídia é controlado por sete grupos (Christofoletti, 2004). A internet é considerada por muitos como o meio da democratização da comunicação, porém pode tomar o mesmo caminho de outros meios que á foram considerados dessa forma, como o rádio e a televisão, já que a tendência é a sua comercialização (Guedes, 1998).

A Rádio Utopia e o Movimento pela Ocupação da Reitoria da UnB são exemplos de democracia na comunicação, pois ambos interagiram com os ouvintes através de blogs, correio eletrônico e chats. A própria contradição do capitalismo permite que se criem espaços virais no qual o soft(ware) é utilizado como elemento contra-hegemônico. Afinal, nessas novas relações, o capital que mantém a rede em funcionamento possibilita também a sua apropriação por parte de indivíduos e grupos para usos alternativos ao modelo comercial.



  1. “Paraí Wireless: Uma experiência de Comunicação Comunitária via digital” de Patrícia Gonçalves Saldanha.



Este artigo relata uma verificação prática sobre a possibilidade de afirmar que as tecnologias da informação podem atuar como dispositivos de incremento de sociabilidade vinculativa, focada na experiência de um Telecentro comunitário do distrito de Arrozal, localizado no Município de Piraí, em função do projeto Piraí Digital.

No caso de Arrozal, a escola cumpriu um papel de importância indiscutível para a consumação da Comunidade. Reuniões de todos os tipos, casamentos e aniversários são realizados na escola. A comunidade tem altíssimo índice de participação e o papel de sede que a escola exerce é central.

A vontade e capacidade política de um prefeito, de um secretário de educação e de uma professora que cumpria a função de avaliadora do MEC, através de um projeto de Desenvolvimento Local  criou um Plano Diretor, pensado como forma de superar as dificuldades originadas por privatizações e fechamento de organizações locais. Pensando no desenvolvimento, em criar atratividade para investimentos, através de uma estrutura tecnológica, foi criado um Plano Diretor de Informática. Um projeto que cobre a cidade com redes wireless e com Telecentros foi viabilizado junto com o BNDES. Uma cidade que antes tinha apenas dois computadores em sua prefeitura passou a a ter todos locais da prefeitura informatizados, todas escolas (20) têm laboratório de informática. Graças à sua organização, Piraí foi alvo do programa UCA – Um computador por aluno – do governo federal. Uma creche comunitária também chegou ao município, assim como o CEDERJ, que é o consórcio das Universidades Federais UFRJ, UFF, UERJ e Rural. Um curso pré-vestibular foi criado e as vagas foram divulgadas pela rádio comunitária de Arrozal e preenchidas após 25 minutos.

Os Telecentros comunitários vivem lotados com filas e planilhas de agendamento. O projeto Cidade Digital só deu certo por ter sido construído coletivamente. Os moradores recebem uma senha na prefeitura e podem acessar a rede, através de seus computadores (adquiridos pelo processo UCA e que servem tanto para os alunos como para as famílias), em diversos locais, como em quiosques, na rodoviária e na cooperativa de artesanato. Uma das histórias riquíssimas da cidade é a de um  representante da ONU em visita na cidade se defrontou com um pescador que checava um site de meteorologia para calcular o rumo das Tilápias, avaliando se o dia era bom para a pescaria.



  1. “Enrédate. Tecnologías Copmunitárias: Réplica de un proyecto sobre apropriación de las TIC en sectores marginados.” De Blanca Chong López, Gabriela Aguilar Ramos, José Luz Ornelas López, José Alfredo Morales Pérez e Sindy de la Torre Pacheco.



Este trabalho faz parte das atividades da rede sobre Cultura, Comunicação, Tecnologias e Desenvolvimento, constituída atualmente pela Universidad de Colima, Universidad Autónoma de Coahuila e pela Universidad Autónoma de Nuevo León. É a réplica do projeto de pesquisa “Enredate. Tecnologías Comunitárias”, desenvolvido no estado de Colimas (Zermeño, et ál., 2007).  Consiste num estudo de caso de um projeto que envolve comunicação comunitária, TIC (tecnologias de informação e comunicação) e zonas marginalizadas.

Alguns dados sobre desigualdade de acesso Segundo o informe 2001 de Nielsen/NetRatings dos 429 milhões de internautas 41% se localizava  entre EUA e Canadá e 4% na América Latina. Um estudo da Associação Mexicana de Internet (2007) nos passa o dado da existência de 22.7 milhões de internautas no país.

A comunicação atual se faz através de novas tecnologias além da escrita, assim a igualdade de oportunidades carece, atualmente, dentre outras coisas, da alfabetização tecnológica.  A desigualdade de apropriação das TIC na Sociedade da Informação é um fator que marginaliza culturalmente. A alfabetização tecnológica deve ser acompanhada por uma reflexão do potencial e da natureza das TICs, pois o uso interativo das tecnologias implica transformação da maneira de trabalhar e mudanças no acesso à informação e ao conhecimento. Esse processo pode-se desenvolver em três linhas: A formação, como elemento chave para possibilitar o uso das TIC; o desenvolvimento de centros de acesso, com o fim de possibilitar igualdade de acesso à tecnologia; a participação comunitária, a partir da inclusão da pessoa nas correntes de geração e intercâmbio de conhecimento da sua comunidade.

O Projeto “Enrédate” se desenvolve atualmente em duas comunidades do município de Viescas, que possui um dos níveis mais baixos de bem estar social do estado de Coahuila e trabalha com 60 crianças. O município possui população de pouco mais de 19 mil habitantes (INEGI, 2005) e apenas 1,8% das casas possuem computadores. Decidiu-se desenvolver o projeto na comunidade Boquilla de las Perlas pela existência de dois centros de computadores, um na escola secundária e um na escola preparatória (implementados pelo governo do estado de Coahuila). As crianças mencionaram que não podiam usar os computadores desde a instalação na escola preparatória (onde existe a política comunitária) pois não sabiam “como fazer”.

Em um dos salões da escola primária de Boquilla deu-se início ao desenvolvimento do projeto para o grupo local, composto por 30 crianças de 5ª e 6ª série. As atividades começaram com a familiarização e manipulação das novas tecnologias, representadas pelas câmeras fotográficas digitais, gravadores digitais, câmeras de vídeo e scanner.            Ao mesmo tempo em que conheciam os aparelhos, os estudantes, orientados por cinco graduandas do oitavo semestre do curso de Comunicação, foram orientados para que nas partes práticas fizessem fotografias, entrevistas com pessoas da comunidade, filmassem eles mesmos as narrações do seus companheiros e escaneassem seus desenhos. Com o intuito de ter um produto de comunicação para chamar a atenção de algo para a comunidade, foi pedido que os exercícios se focassem nos problemas ambientais, direitos e obrigações das crianças, possibilidades de difusão da sua cultura, narrativas sobre a fundação da comunidade e outras lendas e contos fantásticos que circulam nas conversas cotidianas familiares. Nessa primeira fase foi detectada uma limitação estrutural. A energia elétrica que a escola recebia era o que sobrava do consumo da comunidade, sendo insuficiente para alimentar os dois laptops e os dois scanners.

Na segunda fase do projeto aconteceu o uso dos computadores da escola preparatória, que conta com a energia elétrica necessária. Além das crianças de Boquilla participaram as da escola primária de Tejabán, comunidade vizinha da qual as crianças iam e voltavam (e que não possui nenhum computador). Nessa etapa, mais uma dificuldade apareceu. Quatro dos treze computadores estavam decompostos e, em seu conjunto total, a tecnologia era obsoleta. Assim, foi necessário distribuir os alunos em grupos de quatro indivíduos, diminuindo o tempo que cada um ficava na frente das máquinas (cada turma tinha apenas turnos de uma hora e meia por sábados). Além desses, havia o problema de falta de placa de som e caixas de som em alguns computadores, sendo que a escola secundária contava com computadores com tela de plasma e tecnologia mais recente.  Outra dificuldade foi a falta de internet (o provedor havia suspendido o serviço por falta de pagamento), sendo necessários esforços junto a câmara municipal para que se restaurasse o serviço.

Apesar das dificuldades os tutores se surpreenderam positivamente com a rapidez com que os alunos primários de escola rural aprenderam a manejar as novas tecnologias. Outro ponto positivo foi a disposição para auxiliar os que demonstravam dificuldades, sendo que o projeto “Enrédate” conta com essa atitude para que os alunos se transformem em “niños semilla”, que futuramente possam ensinar o que aprenderam.



  1. “Transformando el espacio público: El trabajo de una radio local religiosa en una comunidad urbana marginal” de Dora Navarro.



 Este ensaio se propõe a discutir o caso da Radio Enmanuel (RE), uma rádio local pertencente a uma paróquia católica na localidade de Huaycán, um “povoado jovem” situado na periferia de Lima. Pelo processo da sua construção a sua população – mais de 189 mil pessoas (Municipalidad de Ate, 2008) - desenvolveu uma forte identidade de comunidade. A RE é a rádio com maior audiência na comunidade, devido a pobre recepção das rádios nacionais e do centro da cidade e do fato de ter o sinal mais antigo na região. A principal importância da RE é seu compromisso com os direitos cidadãos, com o desenvolvimento da comunidade e com a transformação da esfera pública.

O objetivo principal da RE, segundo a administradora Guisella Rivera, é evangelizar através da informação, entretenimento e educação. Os jornalistas, conscientemente, não utilizam linguajar religioso ou paternalista em seus programas, de acordo com o público ou setor que pretendem atingir, mas a ideologia da RE deve ser seguida. Em alguns casos (como sobre o aborto) é possível contornar a ideologia cristã através de entrevistas com especialistas, mas isso pouco ocorre. A comunidade pode alugar espaços na rádio para realizar programas, e a administração da RE ajuda a encontrar maneiras do programa se autossustentar, para não criar relações assistenciais.

O programa de maior audiência é o informativo “Enmanuel al Día”, que oferece notícias de Huayacán e das áreas vizinhas. O chefe de imprensa é um dos radialistas de maior experiência. Sua formação é principalmente empírica (obtida na RE) e o seu perfil pessoal é o mesmo de muitos habitantes de Huayacán. Os dois jornalistas que trabalham com ele são graduados, um mora na mesma comunidade e o outro em uma comunidade vizinha. As informações para o programa são recolhidas através de entrevistas, ligações feitas para a RE e através de visitas de lideranças locais. Os principais temas abordados são os processos democráticos dentro das associações da sociedade civil de Huaycán e do município de Ate, os processos que assegurem as necessidades básicas, a segurança e a cidadania, os problemas juvenis e a saúde da população. Dentre os resultados da RE estão o desenvolvimento da capacidade de falar em público, por parte dos moradores, e a intervenção em questões onde a democracia enfrenta problemas.

Durante as eleições a RE é altamente procurada pelos candidatos e diariamente transmite entrevistas com os mesmos. A rádio também organiza eventos públicos como um debate eleitoral numa quadra esportiva e um fórum de jovens (Gumucio, Dragón & Tufte, 2006). Frequentemente moradores de Huaycán fazem denúncias e reclamações através da RE. Enquanto era realizada esta pesquisa uma moradora foi até a estação para denunciar maus tratos de um juiz.

            Um programa juvenil “Paradero 100.5” aborda, com linguagem atraente, assuntos controversos e tabus da vida diária. É dirigido a jovens e feito por jovens. Em uma parte do programa a repórter sai pelas ruas centrais de Huaycán entrevistando as pessoas sobre a suas experiências.



  1. A resistência sobre as resistências: Uma análise do jornalismo impresso local a serviço da comunidade no interior do Brasil”de Geder Parzianello.



            Nesse estudo sobre a dificuldade de inserção dos jornais impressos no interior, analiza-se específicamente o caso do jornal Folha Regional, de São Borja, Rio Grande do Sul. A mídia em questão, que busca sobreviver numa cidade em que a econômia, majoritariamente, gira em torno da agropecuária (que tem pouca relação com os jornais). Outro grande obstáculo para o desenvolvimento dessa nova mídia é a resitência exercida pelors jornais já estabelecidos, que fazem de tudo para evitar concorrência. Na análise que este artigo apresenta, a forma de fazer jornalismo, com participação e colaboração dos moradores da região a quem se dirige, é uma forma de resistência social e econômica que garante a sobrevivência do meio frente a tantas dificuldades.

            O jornalismo expresso na Folha Regional se difere pela influência das novas formas de informação (internet) usadas pelos novos atores. A introdução da primeira universidade federal na região, a UNIPAMPA, em 2007, com o curso de Jornalismo, proporcionou a introdução de estudantes nas redações; as novas cabeças e proporcionaram uma forma de se diferenciar dos já tradicionais impressos, é a ruptura com o padrão de escrita de textos longos, domintantes nos mesmos. Uma das especificidades locais de São Borja, é a baixa quantidade de leitores de jornal, o que levou a estudantes e professores universitários a desenvolverem um projeto de extensão, de caráter comunitário, com o objetivo de formação de novos leitores.



Parte II – O comunitário nas políticas públicas de comunicação, na imprensa e em redes de cooperação: Tecendo vias de resistência e conquista de direitos.



  1.  “El lugar de la comunicación comunitária en las políticas de comunicación em Brasil” de Cicilia Peruzzo



Neste artigo a autora faz um estudo sobre aspectos das políticas públicas de comunicação e o espaço ocupado pela comunicação comunitária. É uma investigação bibliográfica com abordagem histórico-dialética e conclui que as demandas por democracia na comunicação são historicamente reprimidas, mas lentamente algumas conquistas são realizadas.

Inicialmente é realizado um histórico das políticas públicas de comunicação no Brasil, altamente influenciadas pela trajetória política de ditaduras, que atingiram toda América Latina, e pela recente redemocratização, que ainda não conseguiu fazer valer sua Constituição de 1988. A concentração de propriedade, as propriedades cruzadas (de mais de um meio de comunicação por um mesmo grupo ou empresa), o desrespeito com o caráter público das concessões públicas, o tratamento da comunicação e do conteúdo da mesma como mero negócio são evidenciados com diversas citações e teorias explicitadas pela autora.

            Posteriormente, são abordadas as origens das políticas públicas democráticas de comunicação, as reivindicações e as experiências nessa área em diversos países. O comunitário nas políticas públicas de comunicação é abordado e a lentidão com que a legislação caminha para incentivar essa proposta evidencia o desinteresse do poder político. A diferenciação entre o tratamento das rádios comunitárias e das rádios padrão torna explícito o risco que as primeiras significam para a continuação da hegemonia comunicacional. Finalmente, a autora elenca princípios de uma comunicação comunitária e mecanismos que facilitam essa atividade.



  1. “Propuesta de um modelo de comunicación masiva para la construcción de ciudadanía em America Latina” de Carlos Azurduy



            Este artigo apresenta uma proposta de modelo de comunicação massiva que favoreça a cidadania comunicacional. Ambiciona aproximar os meios massivos de comunicação à intervenção popular, para que as mídias de massa estejam inseridas no cotidiano das pessoas gerando cidadania. O autor reforça a importância de se falar em cidadania e, para compreender as dificuldades e desafios atuais nessa área, relacioná-la à história política, econômica e social da América Latina.

Azurduy reforça a necessidade de condições básicas para que a cidadania ocorra, dentre elas o direito à comunicação. Expressa a importância dos canais e meios públicos, que sendo mantidos pelo estado, conseguem mais facilmente romper com o paradigma econômico dominante, que acaba hegemonizando os meios de comunicação. Reforça que a participação popular nos meios acabam produzindo resultados como compreensão da função social da comunicação, capacidade de análise dos discursos e de processar as informações que recebem.



  1. “Televisón y minorias. Modelos para la construcción de uma participación democrática em México.” De Bárbara Origlio



Este trabalho analisa os modelos de relação entre televisão e minorias na produção, representação e recepção no horizonte da democratização do México. Propõe que a construção de uma sociedade inclusiva e democrática exige uma televisão plural, onde as minorias sejam justamente representadas, participem como emissoras e possam dialogar criticamente com as mensagens e em espaços públicos. Apresenta a televisão pública como um modelo viável de meio inclusivo que fomenta a participação.

A autora, através de Stuart Hall (1993), recupera a ideia de serviço público que se baseia na função educativa dos meios para fins de criação de um conceito de nação de múltiplas identidades, plural e democrática, que se distancie dos velhos modelos hierárquicos e das velhas fontes de autoridade cultural monopolística (Hall, 1993: 35). Para tanto, o caráter de alcance territorial nacional não garante cumprir com uma missão e um projeto de construção de nação (Smail, 2002). Bárbara destaca a ausência de uma televisão estritamente de serviço público no México e afirma que enquanto as questões relativas à produção, num cenário de monopólio e de enormes assimetrias no acesso aos meios produtivos e à geração de discursos, é evidente que um sistema baseado exclusivamente em regras de mercado e na possibilidade de gerar “contra-públicos” não pode garantir participação de sujeitos minorizados.



  1. “La construcción de la comunicación comunitaria em la región del Sisal: Uma red tejida com fibra y resistência.” de Gislene Moreira e Giovandro Ferreira



Este trabalho busca caracterizar a “cultura do silêncio” presente na formação histórica da região do Sisal como constituinte dos traços comunicativos locais. Em seguida, os autores contextualizam o aparecimento do movimento social rural, que se desenvolve na região como consequência da precarização das condições socioeconômicas nos anos setenta e a emergência de novas formas de comunicação. Por último, o artigo aponta a comunicação como fator de desenvolvimento territorial e resistência cultural ou resistência político-cultural.

A “cultura de silêncio” se apresenta como uma síntese do processo de dominação da terra e da expropriação econômico-produtiva que se estabeleceu. Os mecanismos de poder utilizados pelos grupos oligárquicos locais não se restringiram ao econômico. A grande maioria da população foi forjada para ser muda, com uma massa de sujeitos anulada pela ação comunicativa-opressora de uma elite essencialmente agrária. Com estratégias eficientes de dominação, desmobilização e controle de uma sociedade civil amorfa, a elite rural desta região permaneceu alheia aos avanços tecnológicos e à complexidade das relações sociais instaladas pela comunicação midiática difundida em todo país através do rádio e da televisão. A opção se reflete na quase inexistência de infraestrutura comunicativa no território até fins da década de setenta.

Em meio a este cenário de múltiplas dificuldades, surgem movimentos sociais reivindicando a democratização das propriedades rurais e relações justas de trabalho. As Comunidades Eclesiais de Base (CEB), as organizações sindicais e a imprensa internacional foram as vozes dessa conturbada emergência de uma sociedade civil organizada. Desde o princípio, os grupos utilizaram a comunicação através de encontros, seminários, cartilhas, informes e um uso “eventual” dos meios para denunciar.  As rádios comunitárias foram os primeiros e mais fortes mecanismos de utilização das novas tecnologias na elaboração de “contra-discursos”, ampliando-se logo em um complexo sistema de comunicação tecnológica. Com forte inspiração em Paulo Freire, boa parte dessas iniciativas se inspiraram na sua teoria de comunicação dialógica e emancipadora. Tais iniciativas tiveram forte repressão das elites (apreensões de equipamentos, processos judiciais e até agressões físicas e ameaças aos comunicadores) mas tiveram consequências positivas como a criação de uma agência de comunicação destinada à produção comunicacional para os movimentos sociais, a criação da Abraço Sisal representando politicamente as rádios comunitárias e a organização do curso de Comunicação Social no Campus XIV da Universidade Estadual (UNEB) no município de Coité. Foram esses os principais atores comunicativos que provocaram a inserção da comunicação como estratégia da política de desenvolvimento territorial, fator inédito na Bahia e no país.



  1. “Redes comunicativas para la construción del desarrollo” de César Torres, Elssy Moreno P. e Ibeth Molina M.



Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que partiu do interesse em realizar um processo comunicativo onde as redes sociais puderam articular os membros de grupos comunitários dos municípios de Agua de Dios e Girardot (departamentos de Cundinamarca, Colômbia) e outros sujeitos individuais e coletivos, para construir um capital social capaz de contribuir para o desenvolvimento desse setor.

Os autores acreditam que é a partir da geração de redes comunicativas, onde comunicar é construir sentidos e significados que produzam o público, por meio da solidificação das ações coletivas. O que buscam nas comunidades estudadas é que essas redes se convertam nos cenários nos quais se apresenta o jogo comunicativo. As redes comunicativas seriam o espaço de construção de marcos de interpretação sobre a realidade e de construção de significados compartilhados por diversos autores, com a finalidade de produzir equidades sociais e políticas.



  1. “A construção de vínculos e coletivos em territórios digitais: O caso Recomsol – Rede de Comunicadores Solidários” de Juciano Lacerda.



Este texto é parte de uma pesquisa que investiga o processo de Comunicação dos membros da Rede Comunicadores Solidários à Criança (Recomsol), cujo objeto é a lista de discussão via internet denominada . Este artigo se concentra principalmente nos sentidos de pertencimento ao grupo a partir do modo digital.

Além de ampliar a dimensão de significação das ações dos membros da Recomsol, retomando as outras formas de vínculos do grupo, a se constituiu como espaço de legitimação de novos membros. Contribuiu na ampliação da causa da solidariedade para temáticas além da criança, fortalecendo a visão da Comunicação para a mudança social, tendo parte no fortalecimento dos laços entre os membros ao ampliar as relações dos encontros presenciais. Também foi o lugar da discussão sobre a solidariedade como princípio moral e de difusão dos códigos construídos no ambiente presencial, dando-lhes amplitude em toda Rede.



Parte III – As múltiplas interrelações entre comunicação, cultura e cidadania: Experiências e metodologias de trabalho comunicacional emancipatório.



  1. “Haciendo ressonar las vocês: Escritura de cartas de lectores, participación de las audiências y la comunicación para ele cambio social” de Thomas Tufte, Aran Corrigan, Ylva Ekström, Minou Fuglesang e Datius Rweyemamu



Com o fim de avaliar processos de empoderamento, voz e participação, este artigo se concentra nos desafios enfrentados mediante a análise de cartas de leitores das revistas SiMchezo! e Fema, ambas parte do Projeto de Informação para a Saúde FEMINA implementado na Tanzânia, no continente Africano. As revistas são focadas no público jovem rural e urbano através de uma estratégia de intervenção comunicacional multimídia e participativa. Visam combater a AIDS/VIH/SIDA através do Edu-entretenimento.

A análise das cartas enviadas às revistas possibilitou a elaboração do perfil do jovem que interage com o meio (e não apenas se informa). Pôde-se constatar que a maioria das cartas eram enviadas por pessoas do sexo masculino, mas as mulheres mostram mais sinais de intervenção na audiência. As mulheres se envolvem mais com questões privadas e emocionais e os homens com questões públicas e intelectuais. Uma das contribuições importantes desta pesquisa foi o desenvolvimento de uma metodologia para estudar as formas  de participação da audiência.

  1. ““Pasolini en Medellín”: Jóvenes, transferencia de medios y esferas públicas locales” de Jair Vega Casanova, Mónica Pérez Marín, Germán Arango Rendón e Camilo Pérez Quintero.



Este artigo descreve o trabalho com jovens habitantes de bairros periféricos. A partir da “transferência de meios” e processos formativos, busca converter os participantes em “antropólogos visuais nativos”, para que voltem ao seu território, observem e se detenham no cotidiano e assim pensem de maneira crítica suas identidades regionais e os imaginários que a cidade e a violência tem construido sobre eles e proponham novos olhares para ampliar as esferas publicas locais.

            Uma das principais características dos participantes do projeto é que provém dos bairros da periferia da cidade e que na maioria dos casos recebem pressões de alguma das violências presentes nos seus contextos, que nao são iguais para todos os casos. Esses jovens nunca optaram politicamente por vias ilegais, mas buscam caminhos que os permitam expressar-se, os quais não são institucionalizados e que em muito dos casos se expressam precisamente contra uma instituição excludente.



  1. “Gestión cultural y ciudadanía: el poojecto de los Libro Clubes en la ciudad de México” de Laura González Morales e Guilebaldo López López.



Nesse texto se apresenta a relação que existe entre a constituição da cidadania, o gestor e a gestão cultural, para compreender a forma em que se vem organizando, desde quase uma década, os livros clubes que funcionam na Cidade do México. Os autores concluem que como direito universal, a leitura é um conhecimento que proporciona reconhecimento e poder. Os livros clubes reagem à necessidade de formação de uma cultura cidadã.

 Laura e Guilebaldo pretendem mostrar nesse trabalho que a cidadania é o denominador comum dos referentes do social, pois através deste esforço conjunto de organização dos gestores em formação, tem-se conseguido incidir nos espaços de mobilização local e assim ganham em graus de autodeterminação. Assim, uma das conquistas da reconfiguração da cidadania é que de forma conjunta se tem ganhado espaços importantes, insistindo na possibilidade de abrir outros canais que ampliam as possibilidades de participação nos âmbitos social, político e particularmente no cultural. Para tanto, a redefinição da sociedade civil está em função da estimulação permanente de uma maior participação entre os grupos sociais.



  1. “Por uma estética da periferia: Sobre modelos não-metropolitanos de Comunicação alternativa”de Ricardo Oliveira de Freitas.



Este artigo analisa as diversas representações do periférico e as práticas configuradas com base nessas representações, assim como os novos movimentos que têm encontrado nas mídias importante suporte para desenvolvimento de novas expressões e articulações de grupos ideológicamente minoritários, elaborando novos modelos de representação contra-hegemônica, com a promoção de políticas públicas e culturais para a inclusão social e cidadania.

O autor analisa como as representações do periférico se alteram quando grupos de sujeitos das periferias se organizam e constróem suas próprias mídias. O Cineclube Caravelas, no interior na Bahia, é um ator coletivo que incentiva e propicia novas produções em vídeo.

Através da promoção de políticas comunicacionais elaboradas ou defendidas por grupos, até então, excluídos do projeto midiático brasileiro, veremos emergir um movimento de produção audiovisual que terá como principal característica a valorização de aspectos socioculturais inerentes à realidade desses grupos. Como são tanto personagens como protagonistas serão visíveis (de uma forma mais fiel do que quando representados ou dirigidos por outras pessoas), incluídos, passarão de minorias a maiorias, de  desprivilegiados a privilegiados, de passivos espectadores a produtores, através da geração de meios próprios e específicos, elaborados pelos grupos ou comunidades interessadas, baseados em formas de associações alternativas que têm privilegiado a produção e participação em mídia como cenário para a organização de redes sociais contemporâneas.

Ficha de leitura do Livro “A LÓGICA DO CAPITAL INFORMAÇÃO" de Marcos Dantas


Ficha de leitura do Livro “A LÓGICA DO CAPITAL INFORMAÇÃO: A fragmentação dos monopólios e a monopolização dos fragmentos num mundo de comunicações globais”de Marcos Dantas.
  1. 1. Uma utopia democrática.
Nas décadas de 1910 e 1920, nos EUA, qualquer um poderia transmitir via rádio. Bastava comprar componentes no varejo e ler revistas especializadas (Flychy, 1991). Bertold Brecht formulou a “teoria do rádio”, propondo que todos cidadãos tivessem sua própria forma de emitir e receber informações, constituindo uma “assembléia popular permanente” (Negt, 1980), ou – segundo conceito posterior de Habermass (1986) – uma “esfera pública cidadã”. Ideia resgatada por Simon Nora e Alain Minc (1978), percebendo que as redes de computadores poderiam criar relações não mediatizadas por aparelhos sociais de representação, cunharam o termo “ágora informacional”.
Independente do modelo político-econômico adotado pelas diferentes sociedades industriais ao longo do século XX, os meios sociotécnicos de comunicação tornaram-se instrumentos de poder e de conformação ideológica dos povos. A ideia do rádio como canal de interação dialógica entre sujeitos autônomos e dotados das próprias razões desapareceu diante de outra que fez do rádio e demais meios tornaram-se instrumentos básicos de hegemonia: aparelhos ideológicos de estado.
  1. 2. Um serviço exclusivo do capital.
A origem remota do jornalismo: no século XIII banqueiros e grandes comerciantes sustentavam redatores profissionais nas diferentes capitais européias e mediterrâneas para que periodicamente lhes enviassem relatórios sobre fatos que pudessem afetar os negócios (Terrou, 1964).
No século XIX o capital passaria a dar um grande impulso às comunicações, entendidas por Marx, como um conjunto que englobava tanto o transporte de mercadorias e pessoas como o transporte de informações (Marx, 1984, II: 42); O mesmo teceu algumas considerações sobre o transporte de mercadorias, mas ignorou – talvez por lhe parecer de rala importância – o transporte de informações. Este último, até então, sendo sempre utilizado em maior escala pelas bolsas.
Na Europa inúmeros movimentos conservadores e liberais conquistaram a estatização dos telégrafos, denunciando prática de preços abusivos, prestação de serviços ruins dos antigos proprietários e também por necessitar manter o controle da informação, considerando-o essencial à consolidação dos regimes políticos pós conturbações revolucionárias da primeira metade do século XIX.
No momento que se tornava aberto ao público, o telégrafo, por isso mesmo, passava a ser censurado. O governo temia que a abertuda do telégrafo à população facilitasse seu uso para realização de complôs. Suas redes acabavam incorporadas a algum monopólio, estatal ou privado, por sua natureza técnica, assim como certas atividades econômicas, tende naturalmente a constituir monopólios (assim como é inviável, num mesmo prédio, a presença de dois fornecedores de água potável).
A falta de comentários sobre esse tema, por parte de Marx, refletiu na sua herança teórica e política e na atuação dos seus seguidores da época.
  1. 3. A Segunda revolução da informação.
Uma variada gama de inventos e evoluções, permite-nos identificar no final do século XIX e início do século XX uma segunda grande revolução das tecnologias de informações (considerando-se a primeira como a introdução do telégrafo). Telefonia, radiodifusão, fotografia, cinematografia, e outras grafias foram inventadas. Essas invenções eram coletivas, caracterizadas por séries de microinvenções. Mas o que projetou alguns nomes de inventores ao olimpo da história foram as oportunidades que alguns souberam aproveitar para transformar seus inventos em fontes de acumulação.
A patente, primordialmente, consistia em um prêmio atribuido pela sociedade ao inventor, ao mesmo tempo que obrigava-o a tornar pública as características do seu invento. A mesma dava ao inventor o direito de auferir renda monopolista temporária pela exploração comercial exclusiva do invento. Em fins do século XIX, esse significado foi desvirtuado e os inventores de sucesso se tornaram “patenteadores profissionais”. Foram criados laboratórios de pesquisa, onde cientistas e técnicos são assalariados para produzir patentes. A AT&T (a partir das patentes de Grahan Bell), a General Eletric (de Edison), a Westinghouse, a Ericson, a IBM, etc.
Nesse cenário – até mesmo na imagem-simbolo do capitalismo da época: uma fábrica enfumaçada, cheia de funcionários chaplinianos vestidos com macacão azul – a fonte de valor deslocava-se da produção imediata e rumava para uma esfera que poderíamos denominar produção social geral (Dantas, 1994). Desde então, o que a maioria das pessoas vem produzindo é informação social. O que varia é a quantidade maior ou menor, ou a redundância maior ou menor da informação processada em cada instância do precesso produtivo.
Para articular essa produção social geral, o capital investe cada vez mais na industria de informação. Como produção é imediatamente consumo e vice-versa (Marx, 1974:115), trata-se de organizar a sociedade para consumir (produzir) bens cada vez mais distanciados das suas necessidades humanas básicas (comer, dormir, vestir) e cada vez mais carregados de valores simbólicos, transformados em necessidades para a vida social dita moderna.
  1. 4. Socialização da Telefonia.
Quando surge no início do século, a indústria da informação se distingue em três grandes ramos, pouco relacionados entre sí: o de comunicações, o cultural propriamente dito (cinema e disco) e o então pouco observado segmento das máquinas de escritório.
O autor não busca discutir, neste ensaio, a industria da informação em seu conjunto. A partir daqui, centrando-se nas comunicações (rádiodifusão e telecomunicações).
A industria de material de escritório dará um salto revolucionário. Ao contrário da telegrafia, a telefonia e a radiofonia viriam a escapar da restrita esfera das empresas e penetrar no espaço da família e dos usos não comerciais, exatamente porque serviam à articulação ampla da produção social geral. Nesses novos usos a AT&T descobrirá uma nova frente de acumulação e seu primeiro presidente, Theodore Vail, implementa uma agressiva estratégia visando levar uma linha telefônica a cada lar norte-americano. Transformando-se assim em teletransportadora universal de informação social e também fornecedora universal dos equipamentos e sistemas necessários a esse transporte.
Processado por Truste, Vail negociou o monopólio com o governo, reivindicando controle público sobre seus negócios, expecialmente na fixação de tarifas. Permitindo lucro na telefonia comercial, como meio de financiar a telefonia residencial. Em 1925, 40% das residências norte americanas estavam conectadas à rede telefônica. Em 1940, quase 100%.
  1. 5. A era do rádio.
A telefonia consolidou-se como negócio logo na primeira década do século XX. Nessa época a radiofonia não parecia ter futuro. Não era confiável às comunicações empresariais, pois as emissões dispersavam-se e qualquer um poderia detectá-las. O rádio era um instrumento de lazer amador. Mas, ao detectar o grande número de usuários regulares por volta da década de 1920, a Westinghouse decidiu fabricar e vender equipamentos receptores domésticos, que captariam programas culturais e noticiosos produzidos por ela ou por terceiros. A industria que produzia equipamentos para registrar e gravar informações passou , ela própria, a ser produtora da informação a ser registrada e comunicada. Para financiar a produção dos programas a empresa vendia espaços (tempo de transmissão). A produção e realização de boa parte dos programas cabia aos anunciantes, ou melhor, às agencias de publicidade que os serviam.
Assim como a AT&T, a Westinghouse passou a se colocar como transportadora universal. Mas para tal, precisava monopolizar o meio. Em 1926, por intermédio da RCA (compania composta pela Westinghouse, AT&T e General Eletric, criada para explorar as ligações telegráficas transoceânicas, concorrendo com os cabos britânicos) constitui-se a NBC, para difundir nacionalmente programas de rádio, cabendo a AT&T viabilizar as transmissões, pelas linhas telefônicas, a todo país.
A característica anarquica do acesso às frequências foi “solucionada” em 1927, quando o Congresso Nacional Americano aprovou a Lei do Rádio, pela qual, sob o argumento de que “as ondas do ar pertencem ao público”, estabeleceu que elas só poderiam ser usadas com concessão governamental. Seis anos depois uma nova lei criou a FCC que passou a regular e fiscalizar, em todo EUA, os serviços de radiodifusão e telecomunicações.
Em 1928 foi criada a segunda rede nacional de rádio, a CBS. Em 1943, desmembrando-se da pioneira NBC, foi criada uma terceira. Como as três eram subordinadas à publicidade, dependentes da AT&T (transmissão) e dos fabricantes de equipamentos, seus conteúdos e qualidade de transmissão eram quase iguais. Essa articulação entre transportadores (de informação) e fabricantes de equipamentos cuidaria, inclusive, de desestimular métodos alternativos. Após a segunda guerra mundial a FCC foi chamada para regular a nascente televisão comercial e pessionada pelo oligopólio do rádio liberou, inicialmente, apenas a banda VHF. Quando, no início da década de 1950, a FCC decidiu liberar a banda UHF a indústria dos fornecedores recusou-se a fabricar televisores que capturassem ambos os tipos de sinais. Consolidando-se assim, na cultura norte-americana, o hábito de assistir programação de grandes redes de massa, não por imperativos técnicos, mas por decisões políticas e empresariais. A produção cultural era integrada a produção captalista geral.
A proposta de Brecht poderia estar a frente de seu tempo, mas a quase-ausência de lideranças democráticas e populares em debates na imprensa e parlamento contribuiu para o poder absoluto que os monopólios empresariais viriam a deter.
  1. 6. Enquanto isso no Brasil…
Nos países periféricos a comunicação inicialmente se limitou basicamente às necessidades do transporte de riquezas para os países centrais (EUA e Europa). Empresas estrangeiras especializadas nas comunicações internacionais (como a ITT – empresa privada americana – e a Cable & Wireless – braço estatal britânico) espalharam por todo mundo redes de comunicação, acompanhando rotas de navios e ferrovias.
Aproveitando e fomentando a expansão mundial dessa infraestrutura, surgiram as agências de notícia. Elas produziam e vendiam noticiários jornalísticos, coletavam e forneciam informações para banqueiros e comerciantes e, sobretudo, eram instrumentos de propaganda das grandes potências.
A chegada dessas agências no Brasil fez com que seus telegramas determinassem quais acontecimentos eram importantes no dia-a-dia e como deveriam ser noticiados. Essas agências forneciam, e seguem fornecendo, uma única imagem do mundo (com a qual todos devem se identificar, caso queiram parecer desenvolvidos). Sobre esse pano de fundo que se (sub)desenvolveram as comunicações brasileiras.
Em 1870 Charles Bright instalou um cabo submarino costeando o litoral brasileiro; em 1879 Paul Charles Burke montou uma rede telefônica no Rio de Janeiro, assim como outros anglo-saxões aventureiros que “traziam o progresso”. Em 1904 o inventor brasileiro, Roberto Landel de Moura, foi chamado de louco quando pediu apoio para avançar em pesquisas de radiotelegradia e radiotelefonia.
O telegrafo brasileiro foi introduzido por Guilherme de Capanema que , de 1852 a 1889, criou, dirigiu e expandiu um serviço telegráfico estatal. Em 1872 o Visconde de Mauá obteve licença para interligar, por cabos submarinos, o Brasil a Portugal e suas colônias. Após sua falência, repassou sua concessão (sem cobrar) para a Telegraph Construction and Maintenance Co., que logo incorporou a concessão dada a Charles Bright. Em 1872 um decreto imperial confirmou à empresa, por 60 anos, uma concessão exclusiva e , por mais 40 anos, uma sem exclusividade. Em 1874 ela transferiu seus direitos para a Western and Brazilian Telegraph Co. Que até 1973 controlou amplamente as telecomunicações no Brasil.
Em 1907 a Ligh & Power (grupo anglo-canadênce que explorava os serviços de eletricidade e bondes elétricos) fundou a Companhia Telefônica Brasileira (CTB) que dotou a capital federal e as principais cidades do sudeste com rede telefônica. Mesmo assim não investiu no segmento longa-distância, dominado pela Western, meio de comunicação mais confiável durante um século.
Em 1907 o congresso nacional decretou que os serviços de radiotelegrafia seriam explorados exclusivamente pela União, mas – entre 1921 e 1924 – por decisões legislativas, fêz-se um parêntese no monopólio, permitindo-se a entrada de grupos extrangeiros. Todos eles foram fechados após a revolução de 30, exceto a CTN (Companhia Telefônica Nacional, controlada pela americana ITT, que alegava transmitir “fonogramas” e não rádio).
Nesse processo a Western, que dominava os telégrafos, desincentivou o desenvolvimento de outras tecnologias que acabariam por gerar competição ( e desenvolvimento interno), tendo em vista o ocorrido nos países centrais.
  1. 7. Economia da Informação.
Nos países desenvolvidos o modelo institucional das comunicações sustentou-se dos anos 30 aos anos 80. Algumas diferenças formais importantes diferiam os EUA dos países europeus. No primeiro os agentes eram monopólios privados sob fiscalização federal, nos segundos a herança dos correios e telégrafos estatais evoluiu a estatização da telefonia e radiofonia (nascendo as PTTs – Postal Telegraph and Telephone).
Na Europa e URSS a radiodifusão era financiada pelo tesouro governamental e cumpriria um papel mais político e ideológico, de construção de coesão social, do que de articulação da produção social geral, como aconteceu nos EUA (onde a radiodifusão era financiada pela publicidade).
Consolidam-se dois serviços distintos: telecomunicações e radiotelevisão. No primeiro o prestador do serviço apenas conecta os usuários (comunicação “ponto a ponto”). Na radiotelevisão o prestador se ocupa do conteúdo transmitido. O primeiro é controlado por normas predominantemente econômicas e industriais, enquanto o segundo é regulado por normas predominantemente políticas e culturais.
No interior desse modelo nasce a terceira revolução tecnológica nas comunicações. Computadores, satélites, microondas, fibras ópticas oferecem ao capital novos meios de processar e transmitir informação. Inovações financiadas por capital privado ou do estado, buscando tornar cada vez mais rápido, barato e eficiente o transporte da informação que interessa ao capital.
A partir de 1950, sobretudo nos EUA, o chamado “capital de risco” passa a desempenhar papel importante. Grandes investidores especializados em identificar inventos passíveis de serem comercializados, antecipando capital e viabilizando novas firmas industriais. Aple, Intel, Microsoft, HP, entre outras, devem suas origens ao “capital de risco” (ou venture capital).
Ao mesmo tempo o estado segue cumprindo papel estratégico de fomento. O transistor, financiado pelo estado e desenvolvido por empresas privadas, viabiliza a digitalização da informação, base técnica por excelência da produção social geral, cujo objetivo é a informação social.
Cada indivíduo, inserido na produção capitalista, não passa de um elo informacional que recebe, processa e transmite algum subconjunto de informações. O que distinguirá os indivíduos entre si serão suas competências para buscar e processar quantidades maiores ou menores de dados.
O valor da informação é poupar tempo de trabalho (para quem a acessa). Esse valor não se realiza por meio da troca na circulação (como na mercadoria), mas por meio da interação, da comunicação (Dantas, 1994a ; 1996). Disso decorre uma desigualdade entre o valor de quem consome e de quem a produz. Por isso, no modo de produção capitalista, as partes envolvidas precisam encontrar novas estratégias que possibilitem a apropriação e acumulação privadas da riqueza. O fornecedor terá que criar barreiras de acesso à informação, tentará evitar que o usuário tenha acesso quase simultâneo a fontes alternativas. Paralelamente, tentará ao máximo que o usuário tenha acesso a ele, enquanto fornecedor (ex: coppy- right).
  1. 8. A “desregulamentação” norte-americana.
Em 1962 foi criada a Comsat para organizar e explorar comercialmente as comunicações via satélite, reguladas pela FCC. A Comsat era semi-estatal (o captal era da AT&T, ITT, GTE e RCA, outras grandes empresas e o público). O governo não possuia ações, mas indicava 3 membros para o conselho diretor. A Consat, mais governos europeus e japonês criaram a Intelsat, mais tarde aderida por outros países (o Brasil aderiu em 65, através da Embratel). Posteriormente, inúmeras coorporações se candidataram a operar seus próprios satélites, criando redes privadas de comunicações globais. Depois de perder o monopólio das comunicações de satélite, a AT&T sofreu novo ataque no segmento de comunicações. A MCI começou a explorar as microondas.
Em 1982 a AT&T teve seu monopólio quebrado em sete monopólios regionais (RBOCs) pelo juiz federal Harold Green (que operariam apenas comunicações locais). As operações interurbanas e internacionais seriam feitas por transportadoras de informação (AT&T, MCI, GTE-Sprint). A quebra do monopólio abriu caminho para o desenvolvimento qualitativo e quantitativo das redes de TV a cabo e, em pouco tempo, as RBOCs deixaram de ser as principais transportadoras de informação dos EUA. Nas comunicações a longa distância a AT&T manteve seu domínio sobre as concorrentes (peso da marca, ampla cobertura nacional, desinteresse e confusão dos consumidores) que em troca de espaço para sobreviver, mantinham o governo afastado dos negócios nas comunicações a longa distância.
  1. 9. Consequências da “desregulamentação”
Pressionadas pelo crescimento das redes alternativas, as RBOCs tenderam a oferecer tarifas mais “competitivas” para os clientes interessantes (grandes coorporações e usuários de alta renda) em detrimento dos menos interessantes (que também não recebiam acesso às novas tecnologias).
Na administração de Bill Clinton seu vice, Al Gore, propôs a construção de uma “auto-estrada da informação”. Aprovada em 1996, a Lei das Telecomunicações representou um difícil acordo entre companhias telefônicas (locais e de longa distância), provedores de serviços, fabricantes, emissoras, entre outros, precebendo-se a ausência do cidadão.
Isto representa uma mudança de ênfase: antes, justificava-se o atendimento ao interesse público como salvaguarda da cultura democrática básica; agora ele é salvaguarda da saúde econômica e da oportunidade. O papel da regulação é ajudar a indústria a se expandir e invovar, deixando para o processo político a tarefa de alocar diretamente qualquer subsídio. (Aufderheide, 1996: 16)
A tendência da “superestrutura jurídica” capitalista é não mais fazer distinção entre interesse público e privado.
Cada rede atende um conjunto selecionado de clientes. Fragmentação, e não competição, é o significante que melhor descreve os rumos das comunicações neste início de século.
  1. 10. “Paradigmas” não norte-americanos.
Os estudos Informatização da sociedade de Nora e Minc (1978) e Sociedade da Informação de Masuda (s.d.) foram fundamentais para fixar estratégias nacionais na França e no Japão e noutros países europeus.
Do ponto de vista do usuário residencial, esses programas tem sido um sucesso. Do ponto de vista das corporações, submeteu-as a restrições ”competitivas” das quais haviam se “libertado” suas congêneres norte-americanas.
No momento em que as empresas (PPTs) não forem mais formalmente públicas ou estatais não haverá justificativas políticas ou legais para diferirem de coorporações capitalistas privadas. A evolução das redes e serviços prosseguirá determinada pelas exigências da acumulação de capital, apoiadas na apropriação da informação social e não no atendimento às carências ou direitos maiores do conjunto da sociedade.
  1. 11. Sociedades Subinformadas.
Ao longo das décadas de 1970 e 1980 estudos e pesquisas mostraram uma enorme disparidade na distribuição dos recursos informacionais. Além (e decorrente) disso os países centrais exportavam em massa produtos culturais e informacionais para os periféricos. A circulação da informação fazia-se em sentido único. As consequências têm sido as reações irracionais de um número crescente de grupos humanos com a reafirmação de modos de vida e crenças pré-medievais (como os fundamentalismos religiosos).
Empresas multinacionais atuam nos países periféricos mantendo suas bases de processamendo de dados nos países centrais (“roubando” mão de obra e investimento dos primeiros) para economizar recursos – e ter maior controle sobre as filiais
  1. 12. O caso brasileiro.
Em 1962 o mais confiável meio de comunicação a longa distância no Brasil ainda era o telégrafo. Apenasa nesse ano foi criado o Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel). Em 1965 foi criada a Embratel que treinou seus técnicos e engenheiros.De 1969 a 1972 pôs todas as capitais e principais cidades brasileiras em comunicação (discagem direta a longa distancia – DDD). Em 1972 foi criada a Telebrás (holding das “teles”) incorporando a Embratel. O número de linhas saltou consideravelmente, sofrendo queda a partir de 1979 quando a demanda das classes média e alta estava atendida. Outra hipótese, apoiada na tese de Jill Hills, afirma que não é coincidência que nos países onde direitos civis e políticos estavam sendo negados, embora se desenvolvessem as centralizadas tecnologias de radiodifusão, usadas para a propaganda, as telecomunicações residenciais permaneceram subdesenvolvidas. Em 1980, no Brasil, apenas 12% dos domicílios tinham telefones, mas 55% possuiam televisão.
A comunidade que é levada a desejar o teatro, a música, o noticiário “enlatados” também vai preferir o doce “enlatado” e a blusa prêt-à-porter, desqualificando o trabalho e o produto da sua doceira e costureira.
O acelerado crescimento das comunicações brasileiras nos primeiros dez anos de governos militares realizou-se por meio de elevadas importações de bens e serviços. Entre o Estado comprador e as filiais fornecedoras articulou-se uma sólida aliança que se infiltrou e se espalhou pelos mais importantes gabinetes do Minicom (ministério das comunicações). O Centro de Pesquisas Padre Landell de Moura (CPqD), criado a partir de resoluções ministeriais de 1975 e 78, desenvolveu 76 produtos novos e gerou centenas de pedidos de patentes. Mas, em 1981 o Minicom reduziu para 50% das futuras compras da Telebrás a reserva de mercado para os produtos desenvolvidos pelo CQpD. Com a ascensão de Collor, toda essa política foi definitivamente desmontada e a CQpD – única instituição do gênero fora do eixo EUA – Europa – Japão – tornou-se um mero centro de estudos e análise.
  1. 13 A globalização.
As contradições entre redes corporativas de comunicação e as estruturas monopolistas nacionais desdobrou-se num choque de interesses de escala global. Para contornar limitações impostas pelos monopólios estatais as corporações privadas se agruparam para constituir suas próprias redes internacionais. Reagindo, os transportadores de informação estatais, posicionam-se também como corporações transnacionais.
A América Latina tornou-se o maior alvo dessas redes (com igual atuação internacional), por possuir alguma infraestrutura (desenvolvida por estatais) e ser “subinformada” (capítulo 11). Chile, Argentina, México, Venezuela, Porto Rico e Perú tiveram suas estatais privatizadas de 1991 a 94. A constituição de 1988 retardou o mesmo processo no Brasil.
Sarney, Collor e Itamar não souberam o que fazer com o monopólio depositado pelo povo em suas mãos. Teve início um processo de deterioração das telecomunicações. Dominadas politicamente, a direção e administração das subsidiárias estaduais passaram a atender interesses da clientela governista. Após fatiar e desvalorizar o sistema Telebrás (um dos 20 maiores transportadores de informação do mundo), o governo promoveria sua privatização. Fernando Henrique Cardoso reproduziria no Brasil o modelo adotado na Argentina e outros países latino-americanos (monopólio privado).
No Brasil, ao contrario da França, Alemanha e outros países europeus, o capital estatal não logrou reordenar-se para responder aos desafios dos novos tempos, até porque a força básica de sustentação do estado brasileiro é o capital multinacional estrangeiro.

  1. 14. Conclusões: Em busca de alternativas.
A nossa sociedade não sairá de seus impasses enquanto não se der conta da necessidade de interiorizar os trabalhos de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico que hoje asseguram a poucos países do mundo uma posição de riqueza e liderança nessa chamada economia global.
O estado não pode resumir-se a operar um mecanismo regulador que limite as suas funções à distribuição e fiscalização de concessões.
O eixo central de todo programa proposto é a (re)construção da esfera pública cidadã, com um caminho para a superação das limitações do capitalismo.
Agradeço a autorização do Prof. Marcos Dantas para disponibilizar este texto.
Ficha feita por: Matheus Gonçalves de Castro